Nereu Ramos

60 anos de morte

Lages perde seu filho mais pródigo

“Talvez nenhuma comuna tenha lamentado tanto as ocorrências do desastre aviatório de Curitiba como Lajes (sic)”. A frase é parte do relato da morte de Nereu Ramos, publicado na edição de 18 de junho de 1958, no Correio Lageano.

O Convair 440, da empresa Cruzeiro do Sul, saiu de Porto Alegre, na segunda-feira, 16 de junho, com destino ao Rio de Janeiro, com escalas em Florianópolis, Curitiba e São Paulo. No acidente que vitimou o então senador Nereu Ramos, o governador Jorge Lacerda e o deputado federal Leoberto Leal, também morreram outras 17 pessoas. O voo transportava 22 passageiros e sete tripulantes.

Segundo jornais da época, chovia muito na hora do acidente. Ventava forte e a visibilidade era baixa quando da aproximação do aeroporto de São José dos Pinhais, e a aeronave caiu em uma área de difícil acesso, numa localidade rural a cerca de oito quilômetros do aeroporto.

O senador Nereu Ramos teve seu corpo transladado para o Rio de Janeiro, Capital do Brasil à época, onde foi sepultado com honras de Ministro de Estado. O Presidente da República, Juscelino Kubitschek, esteve no velório.

LAGES E SANTA CATARINA DE LUTO

Talvez, nenhuma comuna tenha lamentado profundamente a ocorrência do desastre aéreo de Curitiba, como Lages, sua terra natal

Em 16 de junho de 1958, perdiam a vida, de maneira trágica, o ex-presidente da República e senador Nereu Ramos, o governador Jorge Lacerda e o deputado federal Leoberto Leal, quando um Convair da empresa aérea Cruzeiro do Sul se precipitava ao solo, nas proximidades de Curitiba, perecendo, na ocasião, 19 pessoas.

O senador Nereu Ramos teve o seu corpo transladado para o Rio de Janeiro, onde fora sepultado no dia 18, com honras de ministro de Estado. Mantido em câmara ardente no Palácio Monroe, recebeu a visita do presidente Juscelino Kubitscheck de Oliveira, de todo o ministério, corpo diplomático, parlamentares e de uma verdadeira multidão de pessoas, que sempre admirou o notável estadista. Nereu Ramos contava com 70 anos de idade.

Talvez, nenhuma comuna tenha lamentado profundamente a ocorrência do desastre aéreo de Curitiba, como Lages, sua terra natal.

O seu mais ilustre filho desaparecia, assim como dois ilustres homens públicos, muito devotados ao município de Lages.

Dando sua manifestação de pesar, o povo lageano, por iniciativa das suas principais autoridades, reunia-se às 16 horas do dia seguinte, na Praça João Costa e, em profundo respeito e silêncio, colocava flores e coroas ao pé do monumento. Também trouxeram os retratos do governador Jorge Lacerda e do deputado Leoberto Leal, expostos à visitação pública.

Tão logo tomou conhecimento do acidente aéreo, o então prefeito Vidal Ramos Júnior viajara para o Rio de Janeiro para acompanhar o sepultamento do seu irmão Nereu Ramos.

Os vereadores Evilásio Nery Caon e Manoel Antunes Ramos depositaram uma coroa de flores ao pé do monumento. Por outro lado, a Câmara de Vereadores se associou ao luto e efetuou reunião extraordinária. À noite 17 de junho, na Catedral Diocesana, o Bispo Dom Daniel Hostin oficiava uma missa solene em homenagem ao ilustre desaparecido, associando-se o clero e o povo, indistintamente. Nessa ocasião, o padre Odilon proferia magnífico e tocante sermão, que fez brotar lágrimas de quantos o ouviram.

A maior homenagem, entretanto, prestada e a que se viu, sentiu-se e que vira em todos os corações, foi a inconformidade com a tremenda tragédia e o choro íntimo de todo o cidadão lageano, que soube admirar o seu filho mais ilustre e os grandes serviços prestados à causa pública.

Por motivo do prematuro desaparecimento de tão ilustre homem público, a Liga Serrana de Desportos suspendeu, por oito dias, todas as atividades desportivas no âmbito do município. Naquele dia 16 de junho de 1958, ao deixar o Cine Teatro Marajoara, onde assisti a uma sessão cinematográfica, encontrei a Praça João Costa repleta de pessoas, onde um alto-falante da Rádio Clube dava detalhes do acidente aéreo que vitimavam o senador Nereu Ramos, o governador Jorge Lacerda e o deputado federal Leoberto Leal.

O presidente que garantiu o respeito à Constituição

Antes de ser presidente, Nereu Ramos foi vice de Eurico Gaspar Dutra, ambos do Partido Social Democrático (PSD). A dupla foi eleita em 1946, com voto indireto. Os dois foram os primeiros no Governo Federal, após o fim da ditadura do Estado Novo, comandada por Getúlio Vargas.

Entre 1951 e 1955, Nereu Ramos foi presidente da Câmara dos Deputados. Eleito senador em outubro de 1954, sendo o mais votado no Estado, com 160.980 votos. Nesta legislatura, foi presidente do Senado, sendo o segundo na ordem sucessória presidencial, depois do presidente da Câmara, Carlos Luz, também do PSD.

Era um articulador político e respeitado também pelos opositores o que contribuiu para assumir a Presidência do Brasil, em 1955. Após o suicídio de Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954, o vice Café Filho ficou à frente da nação até 8 de novembro de 1955, quando foi sucedido pelo lageano.

Uma série de fatores fizeram com que Nereu fosse o homem a garantir a posse de Juscelino Kubitschek e João Goulart (PSD-PTB) em 1956. Isso porque, logo após o resultado das eleições presidenciais iniciou-se uma crise política nacional. A UDN começou uma campanha para impedir a posse de JK e Jango. O motivo alegado era que os vencedores não obtiveram a maioria absoluta dos votos. Alguns udenistas e oficiais das forças armadas pretendiam implantar um estado de exceção.

Em meio ao tumulto político, Café Filho teve um problema cardíaco e precisou ser internado. No seu lugar, assumiu o presidente da Câmara, Carlos Luz (PDS), no dia 8 de novembro. O deputado era visto com desconfiança por quem pretendia garantir a posse dos eleitos, por flertar com setores da sociedade que não queriam JK. Dessa forma, forças políticas e militares, lideradas pelo general Henrique Teixeira Lott, que queriam obediência à Constituição (1946), encurralaram o presidente em exercício que foi obrigado a deixar o cargo. Com a garantia de que faria valer a lei, foi colocado no cargo Nereu Ramos.

Mesmo com a melhora de Café Filho, dias depois, o catarinense permaneceu no cargo, porque setores políticos e das forças armadas entenderam ser melhor manter Nereu, que ficou até 31 de janeiro de 1956 quando passou a faixa presidencial para Juscelino.

“Eu sou assim, quando piso o chão da minha terra, sinto que minhas energias se revigoram e penso que ainda estou vivendo a minha mocidade.” A frase que iniciava todos os discursos públicos de Nereu Ramos em Lages, era seguida pelas palmas da plateia, formada por gente importante e pessoas comuns. Olhos e ouvidos atentos ao filho ilustre da terra.

Mesmo antes de assumir como Presidente da República, em 1955, Nereu reunia uma multidão a sua volta. O jornal Correio Lageano publicou, na edição de 11 de janeiro de 1947, a seguinte manchete: “A imponente recepção ao Dr. Nereu Ramos nesta cidade”. A primeira página foi toda dedicada a descrever a visita do então vice-presidente da República. Segundo a reportagem, “O intenso júbilo e a grande vibração popular verificados durante os dois dias em que conviveu conosco o ilustre filho de Lajes (sic), constituíram-se em um acontecimento jamais visto nesta cidade e que, dificilmente, se poderá resumir numa notícia de jornal”.

As linhas do antigo jornal descrevem a visita como de uma celebridade, se hoje o Papa Francisco viesse a Lages, teria, por certo, uma recepção semelhante. Antes mesmo de o carro aberto percorrer as ruas lageanas, uma multidão se reunia para recebê-lo naquela tarde de domingo de verão, nos idos de 1947. “Intenso era o movimento popular convergindo para a Rua Correia Pinto, por onde deveria passar o cortejo do grande líder”, dizia matéria publicada pelo jornal.

Antes de ter contato com o povo da sua terra, Nereu era recebido por autoridades, civis e militares, na BR-282, no Distrito de Índios.

HOMENAGEM

Nereu Ramos tinha como característica, em seus discursos, levantar a mão direita, o gesto foi eternizado no monumento em sua homenagem, na Praça João Costa. Inaugurada em 1957, contou com a presença de Nereu, e mais uma vez teve desfile em carro aberto e cortejo acompanhado de aplausos da população.

Assim como a maioria dos filhos de ricos proprietários de terras em Lages, Nereu aprendeu as primeiras letras com professores de fazenda e estudou no colégio interno Nossa Senhora da Conceição, em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. Ainda jovem, aos 17 anos, matriculou-se na faculdade de Direito do Largo São Francisco, instituição fundada por Dom Pedro I logo após a Independência do Brasil que, posteriormente, passou a integrar a Universidade de São Paulo. Foi essa faculdade que formou os primeiros gestores e administradores públicos graduados no Brasil.

No ano de 1909, estava formado advogado, e um ano depois retornou a Lages para exercer a profissão. Porém, a permanência na terra natal durou pouco tempo e, no ano seguinte, mudou-se para Florianópolis.

Foi na Capital que atuou também como jornalista e deu início à carreira política. Em 1918, fundou o jornal A Noite e, em 1921, o Jornal República. Um exemplar do periódico republicano, de 21 de maio de 1933, está disponível no site da Hemeroteca Digital Catarinense, assim como edições do Jornal A Noite, que defendia a causa dos países aliados (Sérvia, Rússia, França, Bélgica, Grã-Bretanha, Japão, Itália, entre outros) na Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

Nereu foi também redator-chefe de O Dia, órgão do Partido Republicano Catarinense (PRC).

Segundo publicação do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, “Apesar da presença de grande número de imigrantes germânicos no Estado, e da simpatia de parte significativa da opinião pública catarinense à Alemanha, Nereu fez campanha em favor da declaração de guerra a esse país, o que ocorreu em outubro de 1917”.

Depois das atividades como jornalista, o futuro presidente do Brasil fundou, em 1932, junto a outras personalidades, a Faculdade de Direito de Santa Catarina, na qual passou a lecionar Direito Constitucional e Teoria do Estado.

Era um apaixonado pela elaboração e cumprimento das leis constitucionais. Tanto que integrou a Comissão Constitucional em 1933, junto a outros 25 deputados, encarregada de examinar o anteprojeto de constituição elaborado pelo Governo Provisório.

Preparado para continuar o legado da família

Quando Nereu de Oliveira Ramos nasceu nos campos das Lagens, no fim século XIX, nem o avô, o coronel Vidal José de Oliveira Ramos Sênior (1820-1908), poderia imaginar que o neto seria o político catarinense mais influente no século XX.

O seu nascimento foi num período de muitas mudanças políticas e sociais no Brasil. Em 1888, chegou ao fim a escravidão, e as lavouras de café foram tomadas pelos imigrantes alemães e italianos. Em 1889, Dom Pedro II deixou o Brasil, que passou de Monarquia à República. Ele não poderia ter vindo ao mundo em época melhor, porque a vida dele sempre esteve envolta em acontecimentos políticos.

O pai de Nereu, Vidal José de Oliveira Ramos (1866-1952), o mesmo nome do avô, foi deputado ainda durante o Império e na República continuou sua carreira política, tanto que foi governador do Estado e preparou o filho para dar continuidade ao legado da família.

A mãe, Teresa Fiúza Ramos, nome de um dos principais hospitais públicos de Santa Catarina, que fica em Lages, criou 14 filhos. Em uma época de comunicações difíceis, era responsável pelos negócios da família, enquanto o marido cuidava da carreira política.

ORIGEM

Laureano José Ramos e Maria Gertrudes foi o casal pioneiro da família, nessas paragens. Ele, filho de Mateus José Coelho e Maria Antonia de Jesus, que emigraram do Arquipélago dos Açores, território português.

A origem do nome da família é Coelho. Pesquisas apontam que a mudança tenha acontecido pela necessidade de conseguir registro de novas terras para a família. No livro Coxilha Rica, genealogia da família Ramos, entretanto, a justificativa para a alteração foi o nascimento de Laureano, no dia de Ramos.

No mesmo livro, o autor Celso Ramos Filho, descreve que segundo registros de Vidal Ramos, aquele que foi governador, o avô chegou e “ali arranchou-se e, como posseiro, requereu, na forma da Lei, os ditos campos, à Câmara de Lages, que após preencher as formalidades legais, despachou favoravelmente, em 1819”.

A posse das terras só foi legitimada em 1861, quando Laureano já havia falecido. A família também adquiriu, por meio de compra, a fazenda Guarda-Mór, que havia pertencido ao fundador de Lages, Antônio Corrêa Pinto de Macedo. Desde 1970, essa fazenda não está mais com os Ramos.

Entrevista: Sara Nunes

Doutora em história cultural, autora de livros e artigos sobre a história de Lages e de Santa Catarina, Sara Nunes falou ao CL sobre um dos mais importantes políticos de Santa Catarina

Correio Lageano: Como entende, enquanto historiadora, a trajetória política de Nereu Ramos?

Sara Nunes: Eu compreendo a trajetória política do Nereu Ramos dentro de um quadro que vai se configurar, principalmente, durante a Primeira República. Nereu é filho de uma oligarquia regional das mais influentes na história do Brasil, a oligarquia Ramos. Quais eram o critérios dessa oligarquia durante a Primeira República para ocupar o espaço público? A escolarização. Nereu é filho de uma oligarquia que construiu o seu poder a partir da posse de terras, algo que caracteriza esses grupos durante a Primeira República.

Contudo, essa mesma oligarquia, nesse período, escolarizou os seus filhos porque compreendia que, para ocupar o espaço público e político era necessário ilustração intelectual. Compreendo essa trajetória a partir de pois pontos: o berço oligárquico regional e a escolarização que recebeu, afinal de contas foi aluno do Colégio São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, onde estudavam as elites regionais, e depois fez Direito na Faculdade do Largo de São Francisco de São Paulo, a faculdade mais tradicional do Brasil e na época, desde meados do século 19, berço dos jovens ilustrados do país.

Historiadores catarinenses afirmam que a tragédia aérea que matou Nereu, o deputado Leoberto Leal e o governador Jorge Lacerda, mudou os rumos da política no Estado. Como você analisa esse fato?

As mortes do governador Jorge Lacerda, do deputado Leoberto Leal e do Nereu Ramos impactaram, sim, os rumos da política catarinense e digo mais, não apenas catarinense, mas também os rumos da política nacional. Nereu morre em 1958 em plena era JK, tinha prestígio muito grande na política nacional, tanto que foi Nereu Ramos, a pedido dos militares, que garantiu a posse de Juscelino e impediu que a UDN, perdedora das eleições de 1955, não colaborasse com a posse. A ideia da UND era que JK não tomasse posse. O Nereu tinha uma figura muito séria, de muito respeito e de articulação na política nacional.

Penso eu que a morte dele em 1958, nesse acidente, mudou a política nacional, na medida em que vamos ter na eleição de 1960, Jânio Quadros no poder, da UND. E olha o que se desencadeia depois disso, Jânio renuncia e João Goulart, para assumir, já que era o vice, passou por todo aquele constrangimento de não quererem que assumisse e, em 1964, um Golpe Militar. Arrisco a dizer, se Nereu tivesse vivo em 1960, esse quadro das eleições teria sido outro, com certeza. Não sei se teríamos evitado uma Ditadura, porque isso acontece dentro de um contexto internacional, mas, quem sabe, teríamos adiado, é arriscado dizer isso, mas eu confirmo que a política tomou novos rumos depois desse acidente aéreo.

Nereu era amado pelos Lageanos, eram outros tempos, o que você pensa sobre essa idolatria a um homem branco, rico e influente?

A idolatria a Nereu parece que permeia nossa sociedade. A idolatria por líderes das oligarquias. A gente ainda vê isso, acho que pelo poder simbólico que representa. Mas há controvérsias sobre essa idolatria ao Nereu. É forjada por alguns grupos que tentam se legitimar no poder, ainda hoje, utilizando-se essa retórica do político. Ele foi um político extraordinário, sim, mas em nenhum momento foi um homem popular. Esse brilhantismo simbólico é uma forma de iludir as pessoas.

  • O canto que embalou o projeto nacionalista de Vargas, Tânia Regina da Rocha;
  • Centro de pesquisa e documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas;
  • E ele voltou... o Brasil no segundo governo Vargas;
  • História concisa do Brasil, Boris Fausto;
  • Coxilha Rica, genealogia da família Ramos, Celso Ramos Filho.
Nereu Ramos
  1. Lages perde seu filho mais pródigo
  2. LAGES E SANTA CATARINA DE LUTO
  3. O presidente que garantiu o respeito à Constituição
  4. Em visita a Lages, o estadista era recebido como celebridade
  5. Advogado, jornalista e político de sucesso
  6. Preparado para continuar o legado da família
  7. Entrevista: Sara Nunes
  8. Fontes de pesquisa